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Os desenhos yanomami são, literalmente, extraordinários. Por critérios estéticos, mas também, e principalmente, por seu caráter intrigante e misterioso, quando paramos para cogitar a sua fatura e quem são seus criadores.

As duas séries de imagens que o leitor-espectador pode apreciar nas páginas precedentes e subsequentes constituem uma pequena amostragem proveniente das coleções de Carlo Zacquini e de Claudia Andujar, dois incansáveis defensores do povo e do território yanomami, que com eles mantêm laços estreitos há décadas. Foi Claudia quem levou aos índios, já nos anos 70, papel e canetas de cor, pedindo-lhes que expressassem através desse material, inédito para eles, seu mundo e seu entendimento do mundo. Como uma forma de comunicação.[1]

[1] Claudia Andujar, Carlo Zacquini e Emilie Chamie realizariam, em 1978, a publicação de um belíssimo livro de desenhos Yanomami, intitulado Mitopoemas Yãnomam, sob o patrocínio da Olivetti do Brasil.

Os yanomami desconheciam o desenho, pelo menos tal como o entendemos. Ou melhor, sua cultura contempla formas de expressão que implicam na concepção e execução de grafismos, como a pintura corporal e a ornamentação de cestos e de outros objetos. Mas, como observa o antropólogo Bruce Albert, que conhece profundamente a vida e o pensamento do povo yanomami, tais grafismos são considerados como traços, marcas, não como imagens. Além disso, eles se imprimem sobre corpos e objetos, portanto, sobre volumes, não sobre superfícies bidimensionais, como a folha de papel – o que, evidentemente, muda tudo. Assim, o que vemos aqui são desenhos feitos por gente que não “sabe” desenhar, que nunca aprendeu e não estava acostumada a ver desenhos. Estes não fazem parte de seu universo ontológico e epistemológico. E é aí que reside o fascínio que intriga. Pois quando nos damos conta disso, emergem imediatamente as perguntas: Como é possível que o desenho aconteça? E como pode haver tamanha força de expressão, tal intensidade de traço, tanto equilíbrio e movimento, tanta vibração? Em suma: como podem não-artistas se mostrarem capazes de uma criação tão esplêndida?

Os critérios da história da arte aos quais costumamos recorrer se mostram inadequados para explicar a qualidade dessa fatura. E dizer que esses desenhos são “inspirados” não nos faz avançar. No entanto, como não perceber que os yanomami parecem acessar diretamente, e espontaneamente, a liberdade extrema do traço, o ato de desenhar buscado por um Miró, ou por Klee? De onde vem essa graça (não há outro termo para melhor qualificar o que paradoxalmente ao mesmo tempo impulsiona o ato de criação e dele parece resultar)?

Convencido de que os yanomami são grandes (não)desenhistas, grandes (não)artistas decidi pôr à prova suas criações. Queria checar se a altíssima qualidade que via neles não era uma questão subjetiva, uma superestimação, em virtude de meu envolvimento com os índios[2]. Confiava na impressão estética que eles causavam, que atravessava intacta o passar dos anos e a convivência diária com oito desenhos – mas desejava confrontá-la com a de um grande artista, não comprometido com os yanomami e com a causa indígena, por assim dizer “isento”. A ocasião se apresentou em 2010, às vésperas da abertura da 29a. Bienal de São Paulo.

[2] Desde os anos 1990, mantenho contato com os yanomami, primeiro através da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), ONG fundada por Claudia Andujar, Carlo Zacquini, Bruce Albert e Alcida Ramos, que lutou pela demarcação do território e, posteriormente, pela defesa deste e da cultura do povo yanomami. Mais recentemente, Davi Kopenawa, os xamãs yanomami e a comunidade de Watoriki participaram, de 2008 a 2010, da realização da ópera multimídia Amazonas, apresentada na Bienal de Teatro Música de Munique e no Sesc Pompeia, em São Paulo. Em 2011 e 2012, por iniciativa de Davi Kopenawa, foram realizados dois encontros de xamãs, no âmbito do projeto Dispositivos de Visão, do Laboratório de Cultura e Tecnologia em Rede, do Instituto Século 21, que resultaram no filme Xapiri, codirigido por Leandro Lima, Gisela Motta, Stella Senra, Bruce Albert e por mim.

desenho 36 Orlando

001

Legenda

  1. Pajés Yanomami – Xapuri ñanomami
  2. Prato – Mahe a
  3. Pó do Kurare – Ñakona uxip
  4. Caminho dos espíritos dos pajés – Hekura xapuriño
  5. Árvore do Kurare – Ñakonahi

Observação: Estas legendas encontram-se no verso dos desenhos. Algumas palavras receberam posteriormente outra grafia conferida pelos estudos linguísticos da língua Yanomami. Aqui, optou-se por transcrever a legenda como aparece no desenho original (inclusive quando não foi possível encontrar tal palavra em vocabulários), também para registrar o ineditismo na coleta destes desenhos e seus significados na década de 1970. Em alguns casos, quando a informação aparece apenas em português, foi incluído o termo Yanomami, a partir de consulta principalmente a

LAUDATO, Luís. “Glossário” in Yanomami pey këyo: o caminho yanomami. Brasília: Universa, 1998.

Francis Alÿs se encontrava na cidade, para montar seu Tornado, e surgiu a oportunidade de mostrar-lhe a coleção de Claudia Andujar. Pude, então, ver um mestre da linha ver os desenhos. O artista – cuja capacidade de se concentrar e se deixar mobilizar por tudo que o cerca é notável –, foi contemplando atentamente desenho após desenho, foi adentrando aquele universo. Seu envolvimento era nítido, mas não fazia comentários, limitando-se a pedir precisões sobre as figuras a Claudia Andujar. Quando havia visto cerca de 60-70 desenhos, parou e disse preferir não continuar, para não comprometer pelo excesso a experiência da visão. E manifestou suas impressões. Disse que o que mais chamava sua atenção era o modo como o desenho ocupava todo o espaço da folha de papel, fosse ele grande ou pequeno, que suas linhas e figuras preenchessem ou não todo o campo, até as bordas. Em seu entender, essa maneira do desenho acionar o espaço diferia radicalmente da experiência do desenho ocidental, que sempre aparece solto na folha, sempre existe como um fragmento, nunca uma totalidade. Ficou claro que o que mais surpreendia Francis Alÿs era o modo como o desenho se desenhava, era o movimento que ganhava o espaço, que o tomava por inteiro. E de repente ele atinou a razão do processo que estava ali, em curso: percebeu que os desenhos se constituíam não como composições, como se faz habitualmente, mas como projeções de imagens que se figuravam e configuravam por inteiro, pouco importa se provenientes do mundo exterior ou do espírito do desenhista. O artista se deu conta de que a mão de quem desenhava e o olho de quem via a imagem eram os operadores de um ato inaugural, o ato de passagem de uma imagem que até então não se manifestara exteriormente enquanto tal, mas encontrava na folha de papel, ao projetar-se, um espaço para se resolver. Daí a integridade espantosa do desenho, e a afirmação de uma totalidade nunca vista. Por isso, Alÿs considerou que os desenhos eram preciosos, únicos.

A experiência de ver o artista vendo os desenhos foi muito importante, não só para confirmar a impressão estética já vivenciada, mas também, e principalmente, porque ela própria consistiu num acontecimento que vinha agenciar o acontecimento do desenho-imagem. Como se a resolução que cristalizava a descoberta da singularidade do desenho-imagem decifrasse, para nós, a resolução de um modo de existência artístico do qual os yanomami são os agentes. Um modo de existência mágico.

desenho 37 Orlando

Legenda

A casa dos espíritos – Hekurap

O filósofo Gilbert Simondon definiu o modo mágico de existência “como aquele que é pré-técnico e pré-religioso, imediatamente acima de uma relação que seria simplesmente a do ser vivo com seu meio.” [3] Isso não significa, evidentemente, que se trata de uma relação primária, tosca, que viria a ser “superada” com o fim da fase mágica e o advento de outros modos de existência posteriores; significa, sim, uma relação homem-mundo primeva, originária, a relação mais íntima que se pode conceber entre o humano e o meio, antes de uma separação que desprende a figura do fundo. Por isso mesmo, o modo mágico de existência se caracteriza como um tempo de metamorfoses, como um fluxo, um continuum de transformações e individuações, no qual convivem passado, presente e devir. Um modo de existência no qual as tensões e potências do virtual encontram resolução, produzem sentido e se atualizam por contato e contágio, por disparação, informação e invenção.

[3] Simondon, Gilbert. Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier/Montaigne, 1969, p. 156.

O leitor-espectador pode, por ele mesmo, perceber nos desenhos-imagens yanomami como “funciona” o modo mágico de existência e como o pensamento mágico se expressa nas legendas que os acompanham, em sua maioria registradas por Carlo Zacquini. Estas não os explicam, mas antes nos implicam no que está acontecendo nesse segmento de fluxo do real que foi captado e projetado sobre o papel. O leitor-espectador precisa entender que a linguagem expressa pelo pensamento mágico não representa o modo mágico de existência dos desenhos-imagens, assim como estes, por sua vez, não representam uma realidade existente fora dele. Com efeito, não nos encontramos em hipótese alguma no terreno da representação, mas no que Gilles Deleuze e Félix Guattari denominaram regime de signos material-semiótico selvagem, cujo socius é a Terra. Portanto, ao contemplar os desenhos, é preciso levar em conta que seu motivo é aquilo que os yanomami designam como terra-floresta.

desenho 38 Orlando – A casa dos espíritos

003

Legenda

  1. A Lua – Poripo
  2. As casas dos espíritos
  3. Os Xapiris e os caminhos

O termo terra-floresta não pode e não deve ser confundido com o sentido que conferimos à palavra terra, não pode ser traduzido por este último. Há uma diferença ontológica e epistemológica intransponível entre eles, e tal diferença impede que a terra seja objetivada e apropriada pelos humanos, que por sua vez se tornam sujeitos dela separados, apartados. Em seu texto “L’esprit de la forêt”, Bruce Albert esclarece o que quer dizer floresta para os Yanomami: “A palavra urihi a designa em yanomami, ao mesmo tempo, a floresta tropical e o solo sobre o qual ela se estende. Também remete, através de encaixes sucessivos, a uma idéia de territorialidade aberta e contextual. Assim, a expressão ipa urihi, “minha terra-floresta”, pode designar a região de nascimento ou de residência atual de um locutor (como domínio de uso), enquanto yanomae thëpë urihipë, “a terra-floresta dos seres humanos (Yanomami)” se aproxima de nossa idéia de “território yanomami”, e urihi a pree, “a grande terra-floresta” se refere a um espaço englobante maximal que faz eco ao nosso conceito de “Terra”. Reservatório inesgotável de recursos indispensáveis à sua existência, essa “terra-floresta” não é, porém, de modo algum para os Yanomami um cenário inerte e mudo situado fora da sociedade e da cultura, uma “natureza morta” submetida à vontade e à exploração humana. Trata-se, pelo contrário, de uma entidade viva, dotada de uma imagem-espírito xamânica (urihinari), de um sopro vital (uixia) e de um poder de crescimento imanente (në rope). Mais ainda, ela é animada por uma complexa dinâmica de trocas, de conflitos e de transformações entre as diferentes categorias de seres que a povoam, sujeitos humanos e não-humanos, visíveis e invisíveis.” [4]

[4] Bruce Albert, “L’esprit de la forêt », in Yanomami l’esprit de la forêt, Fondation Cartier pour l’Art Contemporain, Paris: Actes Sud, 2003, p. 46.

Essa terra-floresta comporta, portanto, uma dimensão atual e uma dimensão virtual em constante interação, que não parecem aceitar uma separação entre os planos transcendente e imanente, pelo menos como os concebemos, uma vez que a transcendência e a imanência fazem parte de uma “mesma economia de metamorfoses”, para retomar a expressão de Bruce Albert. Nesse sentido, a terra-floresta não pode ser confundida com uma paisagem, um “meio” ou uma área objetivada como mera fonte de recursos, cuja existência só se justifica porque pode propiciar aos humanos a sua sobrevivência ou o seu enriquecimento. O sentido da floresta não é, de modo algum, unidimensional. Por isso, as palavras do xamã complementam as do antropólogo: “O que vocês chamam natureza, em nossa língua, é urihi a, a terra-floresta e sua imagem, que os xamãs vêem, urihinari. É porque esta imagem existe que as árvores são vivas. O que chamamos urihinari, é o espírito da floresta: os espíritos das árvores, huutihiripë, das folhas, yaahanaripë, e dos cipós, thoothoxiripë. Tais espíritos são muito numerosos e brincam no solo da floresta. Nós os chamamos também urihi a, natureza, assim como os espíritos animais yaroripë e até mesmo os das abelhas, das tartarugas e dos caracóis. A fertilidade da floresta, në rope, também é para nós a natureza: ela foi criada com esta, é sua riqueza.”[5]

[5] Davi Kopenawa, “Urihi a”, in Yanomami l’esprit de la forêt, op. cit., p. 51.

desenho 27 Titi – A noite

004

Legenda

  1. A noite no meio – ñoro
  2. A noite no começo – weya
  3. A noite bem escura – pata
  4. A noite que nasce (logo depois do pôr do sol)
  5. A esposa da noite come os filhos
  6. Os filhos
  7. As filhas jovens da noite

Terra, floresta, humanos, espíritos, bichos, plantas estão, assim, compreendidos na acepção de terra-floresta. É isso que se encontra nos desenhos-imagens yanomami. Mas há, ainda, um último ponto, para o qual o leitor-espectador deve atentar. Trata-se do estatuto da imagem na cosmologia e na cultura yanomami. É fundamental entender o papel da imagem no xamanismo, mencionado por Davi Kopenawa, porque os desenhos-imagens guardam uma correspondência e uma ressonância fortíssimas com o que os xamãs vêem em seus rituais. Por outro lado, é preciso sublinhar que Taniki, Koromani Waika, Davi Kopenawa são xamãs, que Domingos é filho de xamã… Finalmente, convém notar que a alfabetização, mesmo que na língua materna, opera uma interferência no traçado do desenho, o que se pode constatar nos trabalhos deste último, por exemplo, efetuados nos anos 90.

O que é a imagem no xamanismo yanomami? Bruce Albert escreve: “As imagens (utupë) que os xamãs yanomami “invocam”, “fazem descer” e “fazem dançar” – no sonho ou no transe – são (essencial mas não exclusivamente) as de “humanimais” ancestrais que vivem nos tempos das origens (…). Diz-se que tais imagens constituem o “valor de espectro” dos seres primordiais dotados de uma “pele” (corpo) humana(o) e de um nome (identidade) animal. Elas são percebidas pelos xamãs sob a forma de uma multiplicidade infinita de humanóides minúsculos, enfeitados com pinturas corporais e ornamentos de ofuscante luminosidade. Tais seres-imagens corpusculares, espécie de quanta mitológicos, povoam o mundo em estado livre, tomados por uma incessante atividade de jogos, trocas e guerras que sustenta a dinâmica dos fenômenos visíveis. Uma vez instalados, durante a iniciação, numa morada celeste associada ao jovem xamã, eles se tornam seus “filhos”, uma forma “aparentada” das imagens humanimais do “primeiro tempo”. São então, segundo o jargão etnográfico, “espíritos auxiliares” (xapiri pë). Os xapiri pë assim domesticados são selecionados e combinados em cada sessão xamânica, segundo seus atributos e competências. (…).”[6]

[6] Albert, Bruce, “Images, traces et « hyper images »: impromptu d´ethnographie noctambule” in imagine ambulat homo Augustin, La Trinité, livre XIV, 4, 6., p. 1

No entender de B. Albert, tal modo de ser-imagem fundamental constitui o centro de gravidade do pensamento ontológico e cosmológico yanomami. O antropólogo alerta ainda que as imagens xamânicas, sonhadas ou induzidas por alucinógeno, não devem ser classificadas como o que chamamos de “imagens mentais” (miragens, visões interiores) pois são descritas pelos xamãs como percepções diretas de uma realidade exterior absolutamente tangível. Por outro lado, Bruce Albert é taxativo: “Não há aí fenômeno de representação, mas sim processo de presentificação do invisível. (…) Nem réplicas, nem metáforas, as imagens utupë são antes de tudo estados ontológicos cuja visibilidade intermitente é tornada efetiva durante a sessão xamânica por um efeito de transdução corporal.”[7]

[7] Idem, p. 4.

Tudo se passa, então, como se os desenhos-imagens yanomami se configurassem como projeções da captação de imagens utupë às quais os não-xamãs e não-yanomami podem aceder porque, em vez de descerem e passarem pelo corpo do xamã sem deixar traço, o fizeram acoplando-se a um dispositivo expressivo que pudesse tornar visível e registrável o seu acontecimento. Não se quer dizer com isso que os desenhos-imagens são as imagens utupë. Estas, não veremos nunca, permanecem inacessíveis. Mas podemos considerar os desenhos-imagens como um eco daquelas, um eco de sua passagem.

desenho 22 Orlando

Legenda

Motoka e os filhos

Tornando-se visíveis, projetando-se no espaço em branco, os desenhos-imagens inscrevem a terra-floresta numa superfície que transfigura a folha de papel, que a leva ao limite da topologia. Com efeito, para além da magia, ou melhor por causa dela, os desenhos yanomami fazem pensar e nos colocam uma questão perturbadora. É o que transparece na reflexão do filósofo David Lapoujade a respeito deles, em nossas conversações em Watoriki, quando se falava da multiplicidade de perspectivas que confere consistência à imagem:

“Voltando aos desenhos, há uma questão que não pode ser considerada apenas à luz do atual e do virtual. É algo que me parece muito importante, e que Bruce mencionou rapidamente: é a imagem… é o fato de que se trata de algo impossível… do ponto de vista da coexistência de perspectivas incompatíveis em termos de representação. E essas incompatibilidades que estão, no entanto, no menor desenho, parecem-me algo tão rico, senão mais, do que a questão atual-virtual, ou todo-parte, potência, etc. Pois essa coexistência de perspectivas como que “ajusta” – já que os faz coexistirem -, “arranja” os planos uns nos outros: o plano perceptivo com o plano cosmológico e com o plano intensivo e com o plano… não representativo, mas figurativo, ou seja da visão mais precisamente, nos estados xamânicos. Se há algo que a arte ocidental jamais soube fazer, apesar de toda a sua audácia, é esse tipo de coisa. (…) Interessa, antes de tudo, esse encaixe no limite da topologia (pois são espaços incompatíveis) que é, me parece, o mais espantoso, o mais inovador e aquele que está mais em ruptura com a arte ocidental.”[8]

[8] Senra, Stella. “Conversações em Watoriki – Das passagens de imagens às imagens de passagem: captando o audiovisual do xamanismo”, in Cadernos de Subjetividade. São Paulo: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, PUC/SP, Ano 8, No. 13, Outubro de 2011, p. 76.

desenho 25 Orlando – A vingança de Sihirim

006

Legenda

  1. Sihirim flecha
  2. Poripo que está comendo crianças
  3. Crianças
  4. Sai muito sangue que gera os Yanomamis
  5. Yanomamis
  6. Poripo dorme numa rede bonita

Ouvindo Lapoujade, Bruce Albert acrescenta que os desenhos são um aglomerado espontâneo multi-perspectivista, que toda a territorialidade yanomami é um encaixe de pontos de vista e que tudo está imbricado, encaixado em uma multiplicidade de perspectivas espaciais e temporais. Reiterando que se trata efetivamente de uma topologia, David Lapoujade conclui:

“Então, significa que nunca há uma imagem… Há sempre várias imagens. Deveria chamar multi-imagem, na verdade.”[8]

[8] Idem, p. 77.

desenho 26 Orlando

007

Legenda

  1. A árvore da ñakoana
  2. A árvore do “mamokori” (kurare)
  3. “Ripurusiri”
  4. Os “Xapuri hekurap” vêm tomar o ñakoana fazendo um longo caminho do alto
  5. Caminhos
  6. Os Xapuri tomam o kurare em pó.
  7. Kurare em pó

Tais comentários sobre a relevância da questão topológica reiteram, evidentemente, o achado de Francis Alÿs sobre o modo como o desenho ocupa o espaço. Ora, isso se torna ainda mais fascinante quando Carlo Zacquini, que viu Taniki e Koromani desenhando, informa que a posição vertical ou horizontal de seus desenhos geralmente não tem importância alguma. Pois enquanto os executavam, viravam o papel para um lado ou para o outro, gerando no observador a impressão de que o desenho estava sendo feito de ponta-cabeça…

desenho 28 Orlando

Legenda

O mutum (paruri) que simboliza a noite (titi).
Obs. Também houve referência a este desenho como sendo a descida dos xapiri pë.

Santos, Laymert Garcia. “Projeções da terra-floresta: o desenho-imagem yanomami”. In Anjos, Moacir dos (ed.). Pertença – Cadernos SESC_Videobrasil 8. São Paulo: SESC, 2012-2013, pp. 49-54.

Outros desenhos foram apresentados na publicação impressa. Para este website os desenhos são de Orlando Nakeuxima Manihipi-theri, de 1976 (Coleção Laymert Garcia dos Santos e Stella Senra).

Obras de referência:

ALBERT, Bruce. Yanomami l’esprit de la forêt. Fondation Cartier pour l’Art Contemporain. Paris: Actes Sud, 2003.

______. La chute du ciel. Paroles d’un chaman Yanomami. Coll. Terre Humaine. Paris: Editions Plon, 2010.

______. “Images, traces et ‘hyper images’: impromptu d’ethnographie noctambule.” Available at www.ctrlab.inf.br/Arquivos/Hyper%20images%20yanomami_BA_5.7.11.pdf.

______. “Taniki” and “Joseca.” In: Histoires de Voir. Paris: Fondation Cartier pour l’art contemporain, 2012.

ANDUJAR, Claudia, Carlo Zacquini, and Emilie Chamie. Mitopoemas Yãnomam. São Paulo: Olivetti, 1978. Comissão Pró-Yanomami.

Yama ki hwërimamouwi thë ã oni – Palavras escritas para nos curar. Escola dos Watoriki theri pë. Watoriki: CCPY/MEC/PNUD, 1997.

DELEUZE, Gilles e Félix Guattari. L’AntiOedipe – Capitalisme et schizophrénie. Paris: Minuit, 1972.

KOPENAWA, Davi. “Urihi a.” In: Albert, Bruce. Yanomami l’esprit de la forêt. Fondation Cartier pour l’Art Contemporain. Paris: Actes Sud, 2003.

SENRA, Stella. “Conversações em Watoriki – Das passagens de imagens às imagens de passagem: captando o audiovisual do xamanismo”. In Cadernos de Subjetividade. São Paulo: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade, PUC/SP, Ano 8, No. 13, Outubro de 2011.

SIMONDON, Gilbert. Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier/Montaigne, 1969.

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